Factos:
A firma A, que se dedica à construção civil, comprou à firma B, que vende equipamentos para a construção civil, um camion betoneira, com garantia de bom funcionamento por 6 meses.
No mês seguinte ao da compra, o camion avaria no primeiro trabalho que efectua, inutilizando-se o betão que transportava, tendo ainda de ser rebocado e reparado.
A firma A comunica telefonicamente a avaria á firma B, a qual ameaçada de ter que indemnizar os prejuízos pela paralisação do veículo, ordena a sua reparação.
Quando a firma A lhe pede o pagamento da reparação, a firma B remete-se ao silêncio e só responde passados os seis meses de garantia, rejeitando qualquer responsabilidade na mesma.
Problema:
A firma A tem dificuldade em provar a comunicação dentro do prazo dos seis meses da avaria e já deixou prescrever o prazo para exigir a reparação ou a redução do negócio.
Solução:
A firma A pode demandar a firma B pedindo indemnização por incumprimento do contrato (cumprimento defeituoso) e em alternativa, pela regra da interpretação dos contratos, validade das declarações tácitas, regra geral da liberdade de forma dos contratos e instituto da gestão de negócios alheios, pedir pelo menos o valor da reparação, sem qualquer dependência de prazo.
Minuta da petição:
“Exmo. Senhor Doutor Juiz de Direito do
Tribunal da Comarca de Leiria
A firma… – Construção Civil Lda, sociedade comercial por quotas, com o NPC …, com sede em …, concelho e comarca de Leiria
ACÇÃO DECLARATIVA SOB A FORMA DE PROCESSO SUMÁRIO contra:
A firma… - Assistência Técnica e Equipamentos de Betão, Lda, sociedade comercial por quotas, com o NPC …, com sede em …, Rio Maior.
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Nos termos e com os seguintes fundamentos:
1.º
O A. dedica-se à actividade industrial de empreiteiro de construção civil, pela qual está colectada com o NIF ….
2.º
A R dedica-se à actividade industrial de Assistência técnica e venda de equipamentos de betão pela qual está colectada com o NIF ….
3.º
No exercício das respectivas actividades a A. Comprou em 21-10-2000 à R. o camion modelo Mercedes 32229 autobetoneira de matricula … pelo preço de 9.945.000$00/49.605,45€ (doc 1 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
4.º
Tendo a R. dado à A. uma garantia de bom funcionamento do mesmo de 6 meses (conferir ainda doc. 1)
5.º
Ora, sucedeu que desde a sua aquisição até ao dia 12 de Janeiro de 2001, nunca a A. utilizou o referido camion, que esteve imobilizado nas suas instalações,
6.º
E nesta data de 12 de Janeiro de 2001, quando a A. o teve que utilizar para transportar 10 m3 de betão tipo C25/30 no valor de 99.450$00/496,00€ com IVA incluído, do estaleiro da firma…, em Leiria, para uma obra da firma… na Figueira da Foz, o motor deste avariou, tendo deixado de trabalhar (doc. 2 e 3 que se juntam e cujos teores se dão por reproduzidos)
7.º
E na sequência desta avaria a betoneira deixou de girar inutilizando-se todo o betão que transportava (doc 7 que se junta e cujo teor se dá por reproduzido),
8.º
Cujo pagamento a A. já não recebeu (doc 7 ainda)
9.º
Apesar de a A. ter imediatamente solicitado os serviços do mecânico …, que deslocando-se ao local não conseguiu ali reparar a avaria uma vez que constatou que e o motor do aludido veículo necessitava de uma intervenção demorada e com equipamentos só existentes numa oficina de reparação automóvel (doc. 4 que se junta e cujo teor se dá por reproduzido)
10.º
E assim sendo, o supra referido veículo, não se podendo deslocar pelos seus próprios meios na sequência da mencionada avaria, contratou a A. pelo preço de 54.363$00/271,16€ com IVA incluído à taxa de 17% a firma Reboques Sousa & Irmã, Lda para que o rebocasse para oficina de reparação automóvel do também referido macânico … em … , Leiria, ( doc. 3 ainda)
11.º
Onde após mais aturado diagnóstico se apurou necessitar para que o motor e a betoneira trabalhassem, dos seguintes trabalhos e materiais, num orçamento aproximado de 200.000$00 (doc. 5 e 6 que se juntam e cujos teores se dão por reproduzidos:
…
12.º
Pelo que a A. comunicou alguns dias depois telefonicamente à R. a referida avaria, bem como os prejuízos da imobilização do veículo, o respectivo orçamento de reparação tendo recebido, após vários contactos, no fim de Janeiro, princípios de Fevereiro de 2001, também telefonicamente ordem para que procedesse à referida reparação enviando posteriormente as facturas à R. para que esta as pagasse.
13.º
E assim sendo, o mecânico …, que já havia entretanto soldado o guarda-lama, aplicara 1 jogo de reparação de bomba de água, 2 termóstatos e 2 orings a 15-01-2001 no veículo e suspendido a sua reparação a pedido da A. porque esta aguardava ordem da R. para a efectuar (ainda doc. 5), só completou a sua reparação em Fevereiro de 2001 (ainda doc.6) aplicando na aludida reparação os restantes materiais discriminados no artigo 1.º supra,
14.º
Tudo num montante global de 229.412$00/1.144,38€ com IVA incluído à taxa de 17% assim discriminado (ainda doc. 5 e 6):
…
15.º
e assim sendo, por tudo o que se vem dizendo, teve a A. um prejuízo com a referida avaria do camion Mercedes 32229 auto betoneira de matricula … no montante global de 1.911,54€ (496,00€+271,16€+1.144,38€), com os pagamentos que teve de efectuar, à firma … do betão inutilizado, à firma… a remoção da viatura avariada, ao mecânico … a reparação da avaria (ainda doc. 3, 5, 6 e 7).
16.º
A R. não utilizou o veículo de forma imprudente ou desconforme aos procedimentos técnicos de funcionamento
17.º
E atento o facto de o veiculo não ter circulado desde a compra à R. até à data da avaria, o tipo de reparação a que o mesmo foi submetido na sequência da avaria e material empregue nesta reparação discriminado em 14.º supra, a avaria não resultou também de desgaste normal do veículo com a sua utilização pela A., resultando de defeitos já existentes à data da sua compra,
18.º
E assim sendo, a avaria mencionada em 6.º não se deve a facto que deva ser imputado à A. ou a fato fortuito ou de terceiro.
19.º
Resultando da sua falta de conformidade de funcionamento do veículo no momento da entrega e verificado ainda durante o prazo de garantia.
20.º
Nos diversos contactos que a A. estabeleceu com a R. em virtude da aludida avaria, sempre aquela chamou a atenção da R. para os prejuízos elevados da imobilização do veiculo e esta manifestou intenção de assumir a responsabilidade pelos prejuízos supra enumerados
21.º
Dando autorização para que a mesma avaria fosse reparada para se evitarem mais prejuízos decorrentes da imobilização
22.º
Pedindo inclusive a R em 13 de Dezembro de 2001 à A. que lhe enviasse o comprovativo dos mesmos prejuízos, o que esta fez em 19 de Dezembro de 2001 ( doc. 8 e 9 que se juntam e cujos teores se dão por reproduzidos)
23º
Criando na A. a convicção de que era vontade da R. que a mesma avaria fosse reparada à custa desta e que dando ordem de reparação da avaria estava fazê-lo no interesse e por conta da R.
24.º
Conduta esta da R. descrita em 19.º e 23.º imediatamente supra e em 12.º e 13.º também supra, que não deixou à A. qualquer dúvida que a R. assumiu a responsabilidade pelo pagamento dos prejuízos resultantes da avaria que se descreveu de 6.º a 11.º também desta peça e ordenou equivocamente à A. que procedesse à sua reparação em nome e por conta dela, R.
25º
O defeito do veículo supra mencionado confere à A. direito nos termos do n.º 1 do art.º 913.º do C Civ. O direito à resolução do contrato, sendo posição dominante na jurisprudência a aplicação do regime do incumprimento e não o da anulabilidade; a convalescença do contrato e reparação do defeito ou a substituição da coisa defeituosa ( 906.º e 914.º C. Civ); a redução do preço estipulado ( 911.º ex vi 913.º n.º 1 C. Civ) ou direito a pedir uma indemnização , nos termos gerais dos art.os 562.º e ss. C Civ baseada na culpa do vendedor, nos termos do art.º 908.º ex vi art.º 913.º n.º 1 (Pedro Romano Martinez – Direito das Obrigações, Parte especial – Contratos, pág 127 a 130) sendo o último cumulável com qualquer dos anteriores com vista a cobrir os danos não ressarcíveis por estes meios.
26.º
A A. sabe perfeitamente que deixou precluir o seu o direito à resolução do contrato, redução do preço e reparação; mas as normas de caducidade do art.º 917.º não se aplicam “quando o comprador de coisas defeituosas, pretenda exercer, com fundamento nos respectivos defeitos, o correspondente direito de indemnização” (AC. STJ de 02-11-20006 in www.gdi.pt processo 06B3720. Relator: Salvador da Costa)
27.º
E o que a A pretende com a presente acção é apenas, tão só, ser indemnizada nos termos do art.º 562.º e ss. do C. Civ pelos prejuízos que teve com o defeito do veículo comprado à R., isto é, pelo incumprimento do contrato
28.º
Uma vez que, nos termos conjugados dos n.º 1 do art.º 406.º e n.º 1 do art.º 762.º do C. Civ. Os contratos devem ser pontualmente cumpridos e as partes que neles outorgam cumprem as obrigações deles derivados quando realizem as prestações a que estão vinculadas.
29.º
E no âmbito das modalidades de inexecução, conta-se, além da mora e do incumprimento definitivo, a execução defeituosa designada na lei por cumprimento defeituoso (n.º 1 do art.º 799.º C. Civil)
30.º
Sendo que in casu, estamos, de harmonia com o conceito económico de acto de comércio, perante um contrato de compra e venda de natureza comercial de um veículo (artigos 674.º e b79.º, proémio, do C. Civ e 2.º, 3.º, 13.º n.º 2, e 463 n.º 2 do Código Comercial), que não sendo sobre amostra ou à vista ou de coisas designadas por padrão ( 469.º e 470.º do C. Comercial) impunha ao vendedor a entrega do bem e ao comprador o pagamento do preço (art.º 3.º C. Comercial e 879.º al. b) e c) do C. Civ.)
31.º
Assim sendo, por tudo o que se vem dizendo supra, a R. é obrigada a reparar a A. nos termos conjugados dos artigos 799.º, 562.º e ss do C Civ pelos prejuízos de 1.911,54€ (496,00€+271,16€+1.144,38€), descritos em 15.º e artigos anteriores supra, que esta teve em consequência da avaria do camion Mercedes 32229 auto betoneira de matricula 39-06-MS descrita de 6.º a 14.º supra.
32.º
Mesmo que assim não fosse, o que só por mera hipótese académica se admite, sempre a A. teria direito a receber da R. os 1.144,38€ que pagou pela reparação da avaria, acrescida dos juros legais, por via do instituto do enriquecimento sem causa e gestão de negócios ( art.º 236.º , 465 al. B) a e) e 466.º n.º in fine conjugados com os art.º 468.º n.º 1 e 2 do C. Civ.)
33.º
Uma vez que a ordem referida de 20 a 24.º supra da R. para que a A. mandasse reparar o veículo é, interpretada nos termos do art.º 236.º C.Civ, um mandato válido (liberdade de forma dos contratos)
34.º
E a A. ao mandar proceder à reparação referida em 14.º supra, actuou com animus negotia aliena gerendi.
Nestes termos e nos de Direito,
Deve a presente acção ser julgada procedente e
A) a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 1.911,54€ (mil, novecentos e onze euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida ainda dos juros que, à taxa legal, entretanto se vencerem, até integral pagamento, e ainda em custas e procuradoria condigna a favor da Autor.
Ou em alternativa, caso assim se não entenda.
B) ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 1.144,38€ (mil, cento e quarenta e quatro euros e trinta e oito cêntimos), acrescida ainda dos juros que, à taxa legal, entretanto se vencerem, até integral pagamento, e ainda em custas e procuradoria condigna a favor da Autor.
Para tanto,
Requer-se a citação da Ré para contestar, querendo, no prazo e sob a cominação processual. Mais se requerendo que a citação seja efectuada, nos termos da lei processual, por funcionário judicial.
Testemunhas:
…
Valor: 1.911,54€ (mil, novecentos e onze euros e cinquenta e quatro cêntimos)
Junta: 9 documentos, cópias, procuração forense, comprovativo de preparos e duplicados.
O Advogado
…”