Ex.mo Senhor Doutor Juiz de Direito do
Tribunal Judicial da Comarca de ....
Inquérito ...
2.º Juízo
..., arguido nos autos do processo referido em epígrafe, vem nos termo e para efeitos do disposto no nº 1 al. a) e b) do art.º 212.º CPP, requerer a revogação da previsão preventiva, o que faz nos termos e pelos seguintes fundamentos e porquanto:
I
Posteriormente ao primeiro interrogatório, verificaram-se novas circunstâncias que justificam a alteração da medida.
O arguido tem ocupação garantida e remunerada, em regime de prestação de horas semanais, no lar de terceira idade de …, ….., sendo este um handicap valioso à sua reinserção.(doc. 1 que se junta) e não reincidência.
Trabalhando, não necessitará o arguido de se dedicar ao pequeno tráfico para consumo.
Cessou pelo menos uma das circunstâncias, a desocupação do arguido, que justificaram a aplicação da prisão preventiva.
O arguido é toxicodependente, situação que confessou e que o exame a que foi sujeito certamente revelou.
A sua conduta, a provar-se o tráfico, subsume-se quando muito ao art.º 25.º DL 15/93.
O grau de culpabilidade e gravidade de conduta do arguido, resultam agora mais diminuídos e a perigosidade, se eventualmente existia, também.
Assim sendo, e porque
II
A Legislação internacional, a constituição, a legislação processual consagra o princípio da segurança e da liberdade, a supremacia deste, a excepcionalidade e subsidiariedade da medida de prisão preventiva:
1- Legislação internacional:
A DUDH consagra em várias passagens a liberdade individual:
art.º 1.º, “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos...”,; art.º 3.º “todo o indivíduo tem direito á vida, à liberdade e á segurança pessoal”; art.º 9.º “ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado”; art.º 13.º“toda a pessoa tem direito a livremente circular...”;
A CEDH no seu art.º 5.º consagra também que “toda a pessoa tem direito à liberdade e à segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes:...”.
É o primado da liberdade sobre a segurança.
2- A Constituição
A República Portuguesa é um estado de direito democrático , baseado na dignidade da pessoa humana , no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais ( arts. 1.º e 2.º da CRP) cuja justiça é aplicada pelos tribunais em nome do povo( art.º 202.º n.º1 CRP).
O princípio democrático baseia-se em ideais permanentes: O da suprema dignidade da pessoa humana, da igualdade de todos os cidadãos.
O conceito de dignidade de pessoa humana é um uma referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais e só tem sentido se construído segundo os princípios da liberdade, justiça e solidariedade, consagrados na revolução francesa.
Entre estes destaca-se os direitos, liberdades e garantias pessoais, ( cap II da CRP), que são garantidos, entre outros pela consagração constitucional dos princípios da legalidade penal e processual penal, da tipicidade, da não retroactividade, da aplicação do regime mais favorável, do princípio do acusatório, da presunção de inocência até transito em julgado, da jurisdicíonalização total do processo crime, da proibição de provas obtidas com ofensa à dignidade da pessoa humana, de entre outros tantos demonstram a necessidade do ius puniendi se encontrar legitimado sob os auspícios do direito e da constituição.
No plano dos direitos fundamentais, que mais se prendem com o presente requerimento, o direito à liberdade, foi consagrado no art.º 27.º, cuja privação, tão excepcional deve ser, está constitucionalmente prevista no n.º 2 e 3 e 28.º.
Mas, o legislador constituinte não se limitou a enumerar ou a enunciar proclamatoriamente os casos em que pode haver privação de liberdade, mormente a prisão preventiva, estabelecendo que esta é excepcional, não sendo decretada ou mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei ( n.º 2 art.º 28.º CRP).
É a consagração constitucional do princípio da subsidiariedade da prisão preventiva ( de acordo também com a Recomendação do Conselho da Europa n.º R(80)11).
A segurança também é um direito fundamental do cidadão consagrado constitucionalmente e que o Estado garante com a sua tarefa fundamental por força do art.º 9.º da CRP.
Mas a segurança apresenta-se-nos como um corolário da liberdade nunca como sua limitação ou patamar de exercício.
A liberdade só se exerce quando há segurança, mas esta não pode ser considerada de forma extrema, porque poderá ser fundamento de violência.
A segurança e a liberdade, têm de se interligar e ajustar para que uma se não sobreponha á outra, para que não haja um estado de polícia e por outro lado se não promova a anarquia, de modo a construir uma sociedade mais justa e solidária como prevê o art.º 1.º da CRP.
Mas como grande garantia, consagrou-se também o primado da liberdade que se sobrepõe ao primado da segurança, com excepção dos estados de sítio ou de emergência. Não só pelos limites formais e materiais consagrados pelo art. 27.º da CRP, como também pela sujeição ao direito — princípios, regras jurídicas, jurisprudência e doutrina — dos operadores judiciários, maxime OPC e AJ.
2- O Direito Processual Penal
O processo penal, como doutrinária e apanagiamente se afirma, é direito constitucional aplicado. Se as Constituições eram alheias à sociedade, era a organização política do Estado, em que não se lhe impunha tarefas a favor dos cidadãos, em que o cidadão não era encarado como um sujeito de direitos e deveres, o direito processual penal não podia ser a carta por excelência da defesa dos direitos, liberdades e garantias contra os abusos e intromissões indevidas do ius puniendi.
Ora além dos requisitos da aplicação da prisão preventiva consagrados no art.º 204.º e n.º 1 al. a) do art.º 202.º CPP, que referiremos adiante, o que interessa agora é reter que as disposições do Cap.III do CPP são dominadas fundamentalmente pelo princípio da precariedade das medidas de coacção.
A razão é porque sendo impostas a um indivíduo presumivelmente inocente, não devem suportar a barreira do “comunitariamente suportável” (Figueiredo Dias, numa comunicação no CEJ, nas jornadas de processo penal, a propósito da caracterização do estatuto do arguido) e está consagrado nos arts. 215.º, 218.º, 214.º, 212.º.
Outro dos conceitos que interessa reter, é o carácter excepcional subsidiário e gravoso desta medida de prisão preventiva. Como exemplo citam-se as normas relativas ao reexame dos pressupostos (231.º n.º1), as que referem a possibilidade de elaboração de relatório social que permita ao magistrado o conhecimento, mais profundo dos elementos a ter presentes na decisão sobre a prisão preventiva, nomeadamente os relativos á personalidade, sua conduta anterior e sua situação pessoal, familiar e social ( art.º 1.º n.º 1 al. g), 213.º n.º 3 e 370.º n.º 3)
“In Casu”
O despacho que aplica a prisão preventiva remete para as provas carreadas no inquérito, mas, com o devido respeito, estas contudo não indiciam com grau de certeza razoável a prática pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes pp. nos termos do art.º 21.º do D.L. 15/93, antes quando muito do art.º 25.º mesmo D.L.:
As escutas telefónicas, apreensão de objectos, segundo a promoção pelo M.P. da constituição de arguido, o despacho de constituição de arguido, despacho de homolgação da busca (apreensões), indiciam segundo o M.P. e Meritíssimo Juiz, o arguido na prática de um crime pp. nos termos do art.º 21.º do D.L. 15/93 com pena de4 a12 anos.
Contudo,
Objecto de mandato de busca, a casa da mãe do arguido, lograram os OPC apreender apenas um computador já desactualizado e de valor comercial bastante reduzido, que imputam ter sido adquirido com os rendimentos obtidos pelo arguido com o tráfico de estupefacientes, além de telemóveis.
No primeiro interrogatório nada declarou o arguido, porque se recusou assinar o auto de declarações. Mas era um direito que lhe assistia nos termos do art.º 61.º n.º 1 al.c) do CPP, não podendo ser valorado como meio de prova (art.s 343.º n.º 1 e 345.º n.º1 do CPP).
Depreende-se pois que foi com base nas restantes provas carreadas para os autos, que a Meritíssima Juíza aplicou a medida de prisão preventiva.
Em declarações que motu proprium prestou já em Agosto de 2004, o arguido confessou o consumo esporádico de estupefacientes, conhecer desde a infância vários dos arguidos, com quem convive desde essa data, referiu ter ocupação como vigilante num lar de terceira idade, e impugnou a prática de tráfico de estupefacientes, prova esta que o tribunal apreciará livremente agora em conjunto com as restantes, nomeadamente o exame médico a que entretanto foi sujeito o arguido.
Compulsadas as transcrições das escutas de que foi alvo o arguido, verifica-se que são interlocutores alguns dos arguidos e alguns desconhecidos, mas com o devido respeito, não há uma única passagem que possa ser inequivocamente interpretada como subsumindo-se o comportamento do arguido no crime de catálogo objecto do inquérito, que é o de tráfico de estupefacientes.
Pelo contrário, muitas das passagens, são meras marcações de encontros, com gíria comum da juventude, tal como “beca”, que mais não significa que pouco, um pouco, perto.
Outras indiciam inequivocamente o arguido como consumidor como é o caso de:
Cessão 297: …”estava com ressaca”…(arguido)
Cessão 417: …”Ya, então não era para orientares o charuto?”…(interlocutor)
….”mesmo que não seja, a gente curte isso noutro lado qualquer”… (arguido)
Cessão 297: …”sabes quem tem?”… (arguido)
Cessão 767: … “eu vou preparar”… (interlocutor)
Cessão 883: …”pagas-me aqui”… (interlocutor)
Quando muito, algumas indiciando, atento o teor das anteriores, pequeno tráfico:
Cessão 41: ...”apita só que eu saio e largo....” (arguido)
Cessão 757: ...”eu arranjo-te isso”...
A existência de telefonemas entre o recorrente e alguns dos arguidos, é natural, dado o conhecimento e convívio desde a infância e a menção ao consumo de estupefacientes, marcações de encontros para consumo dos mesmos, é normal se os interlocutores forem consumidores também.
Os únicos objectos apreendidos ao arguido foram computador e telemóvel, objectos de reduzido valor económico, cuja proveniência não se pode inequivocamente imputar a rendimentos provenientes do tráfico.
Hoje em dia são raros os jovens, que mesmo não trabalhando, não tenham um computador e pelo menos telemóvel. Não trabalham e adquiriram-nos com rendimentos provenientes de actividade ilícitas? Claro que não...
E aqueles, que como arguido vivem a expensas dos pais, não os puderam ter adquirido com dinheiro destes?
Do princípio de In Dubio Pro Reo (Souto de Moura in A questão da presunção de inocência do arguido, publicação desconhecida pp. 45-46) decorre que não é ao arguido que compete provar que não provém do tráfico, mas à A.J. o contrário.
Outros objectos e valores, como balanças de precisão, material de preparação, estupefacientes, quantias avultadas de dinheiro, ouro, normalmente provenientes e indiciadores de tráfico, não foram encontrados na posse do arguido.
A alguns dos co-arguidos foram; ao arguido nunca!
De todos os elementos de prova carreados para os autos e que o recorrente conhece, e pode tomar conhecimento nesta fase do inquérito, não resulta nenhum que indicie inequivocamente e com um grau razoável de certeza a prática do crime de que vem sendo imputado ao arguido subsumido no art.º 21.º do D.L. 15/93, muito menos que justifique uma pena de prisão superior a três anos.
Do que o arguido desconhece, também tem a certeza que não indiciam tal prática, simplesmente porque não praticou factos que indiciem tal crime.
O simples facto de conviver com pessoas eventualmente traficantes, não é suficiente para o indiciar como tal.
Aqui não se aplica o aforismo “diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”
Mesmo que assim não fosse, e se entendesse que os factos imputados ao arguido indiciavam um crime pp. pelo art.º 21.º D.L. 15/93, tinham ainda que existir factos concretos na personalidade deste, no seu grau de culpabilidade, que indiciassem a forte probabilidade de a este vir a ser aplicada em concreto uma pena privativa de liberdade superior a três anos, o que com o devido respeito, face ao teor das provas também se não vislumbra.
E isto porque, provando-se por hipótese, o tráfico da parte do arguido, a ilicitude dos factos também se pode mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade dos produtos e substâncias ou preparação.
Ora no caso do arguido, não foi apanhada nenhuma droga, nem sequer a quantidade e qualidade sabemos.
Depois, o arguido é toxicodependente e “a atenuação de um consumidor habitual ou mesmo toxicodependente modela normalmente o quadro das operações de tráfico de modo a distingui-lo do grande tráfico e aproximá-lo do pequeno tráfico, no fundo do tráfico de menor gravidade” ( Lourenço Martins in Nova Lei da Droga: um Equilíbrio Instável, pág. 226.º)
Isto porque a personalidade, a capacidade organizativa de um toxicodependente se quadram por uma mecânica apenas suficiente para subsistir como dependente da droga. Não numa actividade em exclusivo.
Depois, o nosso sistema penal considera a toxicodependência como atenuante da conduta delituosa quando esta última seja a actividade de tráfico de estupefacientes ( Ac. STJ de 06/05/94 proc. n.º 45866).
E o Dl. 15/93 no seu art.º 25.º “estabeleceu uma válvula de segurança destinado a evitar que clarifiquem os casos de tráfico menor dos casos de tráfico importante e significativo (Lourenço Martins, na obra supra citada e Maria João Antunes in Droga – decisões dos Tribunais de 1.ª Instância – 1993, comentários, pág. 296)
Ora in casu , mesmo provando-se o tráfico pelo arguido, a imagem global dos factos não são de molde a repelir a aplicação do art.º 25.º do DL.15/93, aplicada ao tráfico de menor gravidade e que prevê penas de 1a 5 anos no caso de substâncias compreendidas nas tabelas I a III e até 2 anos ou multa até 240 dias , no caso de substâncias da tabela IV.
Mas a dificuldade em relação ao arguido, não havendo confissão deste, nem lhe tendo sido apreendidas substâncias, é de saber que tipo de substâncias traficava...
Por fim, mesmo sendo de aplicar uma pena em concreto, p. no art.º 25.º, esta tem de ser graduada nos termos do art.º 71.º e pode mesmo ser suspensa nos termos do art.º 50.º todos do C.P.
Resumindo:
O n.º2, do art. 192.º, 193.º, 197.º, 198.º, 199.º, exigem a imputação, e dos arts. 200.º, 201.º e 202.º, exigem fortes indícios de prática de crime doloso, Fumus comissi delicti.
Por isso não podia ser aplicada uma medida de coacção de prisão preventiva por se não indiciarem os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena de prisão superior a três anos, porque a conduta do mesmo subsume-se quando muito, na previsão do art.º 25.º D.L. 15/93 e mesmo assim, não existem elementos que indiciem que em concreto ao arguido venha a ser aplicada uma pena superior a três anos, atento a que não está provado o tipo de substâncias por este traficada e ainda ao facto a al. b) prever uma pena até 2 anos ou multa.
A medida de prisão preventiva, foi justificada com o perigo de continuação da actividade criminosa, mas, com o devido respeito, do inquérito e da prova carreada até agora, não existe nenhum facto da personalidade do arguido de que se depreenda com razoável certeza tal propensão:
A fundamentação do despacho permite o controlo da actividade jurisdicional, por uma parte, e serve para convencer da sua correcção e justiça, por outra parte. A exigência de fundamentação actua também como meio de auto controlo do próprio juiz, pela necessidade de justificar a ocorrência das condições legais de aplicação da medida.
A fundamentação deve conter a indicação das exigências cautelares e dos indícios que em concreto justificam a medida aplicada e a indicação dos meios de prova pertinentes.
É que, sendo o despacho susceptível de impugnação judicial por ilegalidade importa que os pressupostos legais de aplicação das medidas sejam indicados no despacho, sob pena de se frustrar inteiramente a viabilidade do recurso. A lei, porém, não indica quais os requisitos da fundamentação, mas parece-nos deverem ser todos os necessários para convencer da sua legalidade.
Sobretudo na fase do inquérito, a cuidada fundamentação é absolutamente essencial para permitir o recurso. E que o arguido não tem acesso aos autos do processo e, por isso, para que o recurso possa ter eficácia importa que seja possível que o tribunal que o há-de apreciar possa tomar conhecimento das razões de facto e de direito que justificaram a aplicação da medida pelo tribunal a quo. Não basta, por isso, como sucede com frequência, referir que o crime x ou y está indiciado e há perigo de fuga, de perturbação da instrução ou de continuação da actividade criminosa” (Germano Marques da Silva, Manual de Processo Penal II, Editorial Verbo,1993)’.
Não havendo factos concretos, que levem à convicção de que há a séria probabilidade de o arguido continuar aquela concreta actividade delituosa, não deve ser aplicada a medida.
Tem de haver um facto que associado á personalidade do arguido revele essa propensão!
Ora, com o devido respeito, não estando suficientemente indiciados os elementos constitutivos do crime, não se vislumbram também quais os factos que fazem temerem o perigo de continuação da actividade criminosa.
De resto o arguido tendo sido condenado pela prática de crime diverso, não revela tal facto propensão para continuação de tráfico de estupefacientes. A propensão deve ser para a prática do mesmo tipo de crimes e não de outros.
Esta propensão para continuação da actividade criminosa deve ser ponderada concretamente em face da personalidade do arguido.
Não se vislumbram elementos concretos da personalidade do arguido que indiciem essa propensão
Só e se verificar algum dos pressupostos indicados nas alíneas do art. 204. º - Pericula Iibertatis- é legalmente admissível a aplicação de uma das medidas de coacção, com excepção do termo de identidade e residência.
Esses pressupostos são: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.
2.1) Fuga ou perigo de fuga.
A alínea a) do art. 204.º indica a fuga ou perigo de fuga como justificando a aplicação ao arguido de uma medida de coacção.
O arguido não fugiu anteriormente. Portanto por este motivo não é de se lhe aplicar esta medida de coacção por esse fundamento.
Quanto à verificação do perigo de fuga, importa ter bem presente que a lei não presume o perigo de fuga, exige que esse perigo seja concreto, o que significa que não basta a mera probabilidade de fuga deduzida de abstractas e genéricas presunções, v.g., da gravidade do crime, mas que se deve fundamentar sobre elementos de facto que indiciem concretamente aquele perigo, nomeadamente porque revelam a preparação da fuga.
E esta não pode deduzir-se da gravidade do crime. Não é necessariamente um crime grave e susceptível de pena pesada que predispõe o arguido à fuga.
Nada se infere também do inquérito, da personalidade do arguido e da sua conduta que haja perigo de fuga.
2.2) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo.
Não basta também a mera probabilidade de o arguido desenvolver actividade que perturbe ou prejudique a investigação.
E necessário também, que em concreto se demonstre esse perigo pela ocorrência de factos que indiciem a actuação do arguido com esse objectivo e que não seja possível com outros meios obstar a essa perturbação.
“Os abundantes meios de que dispõem hoje as autoridades judiciárias e os órgãos de policia criminal para investigar os crimes e sobretudo a sua utilização diligente e inteligente são em geral bastantes para obstar a que o arguido possa por si perturbar o decurso do inquérito ou da instrução do processo” (ainda Germano Marques da Silva)..
No processo já constam e foram recolhidos (escutas, busca, apreensão de objectos), em razão da natureza do crime que lhe é imputado, os meios de prova, pelo que se não vê como possa perturbar a recolha dos mesmos.
Também do inquérito não resultam factos que indiciem que essa perturbação venha a ocorrer.
Por isso a medida também não é adequada a esta finalidade processual.
2.3) Perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.
“Este fundamento deve ser cuidadosamente interpretado, em termos que o seu âmbito se restrinja ao de verdadeiro instituto processual, com função cautelar atinente ao próprio processo, e não de medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada.
O perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa há-de resultar das circunstâncias do crime imputado ao arguido ou da sua personalidade”(ainda Germano Marques da Silva).
Para haver perigosidade é preciso que, segundo as regras da experiência, o agente do crime revele a potencialidade de cometer de futuro crimes da mesma espécie.
Deve ser um elevado grau de probabilidade, não a mera possibilidade, como defende Figueiredo Dias, Direito penal Português, Parte Geral II, Edit. Notícias, 1993).
O Juiz, ainda segundo Figueiredo Dias, referindo-se às medidas de segurança, “aplicará a medida... se tiver alcançado a convicção da probabilidade de repetição; não a ordenará se estiver convencido de que a repetição é possível, mas não provável; como igualmente a não ordenará, de acordo com o princípio in dubio pro reo, se tiverem persistido no seu espírito dúvidas inultrapassáveis quanto à probabilidade de repetição”
Ora, no caso concreto, a condenação anterior por crime diverso não é suficiente, e nenhum facto resulta do inquérito e da personalidade do arguido aferida individualmente, atentas as circunstâncias concretas dos factos que lhe são imputados, que fundamente o receio de perturbação da ordem e tranquilidade pública ou a continuação da actividade criminosa.
A aplicação da medida de prisão preventiva não é necessária, atento o princípio da subsidiariedade, mesmo admitindo por hipótese que se verificam in casu o bonus fumus delicti e Pericula libertatis.:
Uma medida de segurança não deve ser aplicada quando outras medidas menos onerosas constituam uma protecção adequada e suficiente dos bens jurídicos face à perigosidade do agente.
Este princípio é consequência do princípio da necessidade; um principio jurídico-constitucional (geral) segundo o qual, como é sabido (art. 18.º n.º2 da CRP), a restrição de direitos fundamentais das pessoas só é admissível na medida estritamente necessária à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, face à perigosidade do agente ( Periculum Libertatis).
Isto é, os princípios da subsidiariedade e da necessidade constituem, são aforamentos do princípio jurídico-constitucional da proibição de excesso em matéria de limitação de direitos fundamentais.
Resumindo, o juiz quando considere necessário aplicar ao arguido uma medida de coacção deve aplicar-lhe, de entre as legalmente admissíveis, a que julgue idónea para salvaguardar as exigências cautelares que o caso requerer, sempre que a medida escolhida seja proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (193.º).
É que “se duas medidas se mostrarem igualmente adequadas e suficientes às exigências cautelares, nunca deve ser escolhida a prisão preventiva. É o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva” (ainda Germano M. da Silva, in Curso Processo Penal II, pág. 219)
A proibição de contactos, a proibição de frequência de certos ambientes, a obrigação de permanência na residência a não para saída para o trabalho, pp no art.º 200.º CPP, seriam idóneos, pela limitação dos movimentos do arguido, tão necessária à actividade de tráfico, aliada à cominação de reforço da medida em caso de incumprimento, para afastar este da actividade criminosa.
Por outro lado, a medida não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requer (n.º3 art. 193.º), isto é, a modalidade de execução deve ser a menos gravosa possível.
Mesmo que se entendesse ser uma medida de privação de liberdade a mais adequada, e não qualquer outra das imediatamente supra mencionadas, a obrigação de permanência em domicílio pp. no art.º 201.º do CPP (vulgo prisão domiciliária) seria também meio idóneo, aliado à cominação de reforço da medida em caso de incumprimento, para afastar o arguido da propensão á actividade criminosa.
E ainda, para concluir, porque
Aos tribunais, - maxime juízes e MP- cumpre administrar a justiça em nome do povo – n.º 1 art. –202.º CRP – estando apenas sujeitos à lei – art.º 203.º da CRP- e não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na constituição ou os princípios nela consignados - art.º 204.º da CRP- estando ainda subordinados à constituição e, por sua vez, aos preceitos constitucionais atinentes ao respeito dos direitos, liberdades e garantias que se aplicam directamente aos quais estão vinculados – art.º 18.º, n.º 1 da CRP.
Aos OPC cabe também defender a legalidade democrática e garantir os direitos fundamentais a cujos preceitos constitucionais estão vinculados – art.ºs 272.º, 266.º, n.º 3 e 18.º n.º1 da CRP.
Os operadores judiciários devem ser o baluarte do respeito da dignidade da pessoa humana,
O grau de maturidade de uma democracia, afere-se pelo maior respeito pela liberdade individual na aplicação das medidas de coacção, maxime da prisão preventiva (Germano Marques in lições de Processo Penal, vol II, pp 244 e seguintes)
O princípio da liberdade deve sobrepor-se ao da segurança ( limites à prisão art.º 27.º CRP)
A prisão preventiva, porque medida gravosa e privativa da liberdade, é excepcional, subsidiária e precária ( 28.º nº2 CRP, 202.º n.º al. a) CPP)
In casu não estão indiciados com grau de certeza razoável, que o arguido tenha praticado factos subsumíveis no art.º 21.º do DL 15/93, mas sim quando muito no art.º 25.º, muito menos que em concreto lhe venha a ser aplicada pena de prisão superior a três anos, nem tão pouco factos concretos da personalidade do arguido que indiciem com também igual razoabilidade, a sua propensão para a prática de crimes da mesma natureza.
A garantia de trabalho do arguido, aliado a tratamento médico para abandono da toxicodependência, torna suficientes e idóneas medidas não privativas, designadamente as previstas no art.º 200.º CPP.
Mesmo que assim se não entenda, em obediência ao primado do princípio da liberdade sobre a segurança, excepcionalidade e subsidiariedade da prisão preventiva, in casu, atentos os factos supra aduzidos, a personalidade do arguido, as exigências cautelares do processo, são suficientes as medidas previstas no art.º 200.º CPP supra enumeradas, pelas quais se requer seja substituída a medida de prisão preventiva
ou quando muito,
assim se não entendendo, o que só por mera hipótese académica se admite, a substituição da medida de prisão preventiva pelo menos por uma forma de execução menos gravosa, também privativa, como é o caso da obrigação de permanência na habitação previstas no art.º 201.º do CPP , que é suficiente para as medidas cautelares do processo.
Termos em que.
Se requer a V. Ex.a, nos termos do n.º 1 do art.º 212.º CPP a revogação de medida de prisão preventiva e sua substituição por outra não privativa, designadamente as previstas no art.º 200.º CC
Ou quando assim se não entender, o que só por mera hipótese se admite
A substituição por medida de execução menos gravosa, como é o caso da prevista no art.º 201.º CPP
E.D.
Junta: 1 documento e duplicado
O advogado
C.N. ...