Peças Processuais e Contratos

01
Out 10

Proc. .../...

2.º Juízo Cível

(Inventário Facultativo)

 

                                                           Venerandos Juízes Desembargadores

 

                                                           Do Tribunal da Relação de Coimbra

 

 

A

Objecto do Recurso

 

            A interessada (...) interpôs a acção declarativa de apreciação positiva que corre termos sob o n.º .../10.8TB... no 1.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de ..., na qual pede o seu reconhecimento como proprietária do prédio descrito sob verba n.º 7 no Inventário facultativo que corre termos sob o n.º .../... do 2.º Juízo Cível do mesmo Tribunal de Comarca.

            Na sequência dessa interposição, e com fundamento da prejudicialidade daquela acção em relação a esta, requereu a suspensão destes autos de Inventário até trânsito em julgado de sentença na primeira acção

            Que o Meritíssimo juiz «à quo» despachou em sentido favorável, «ao abrigo do art.º 279.º, n.º 1 ex vi do art.º 1335 n.º 1 e 5, ambos do CPC» com fundamento na referida prejudicial idade por daquela «depender a definição dos direitos dos interessados na partilha»

            Isto é, à luz destas disposições legais, o Meritíssimo Juiz «a quo» entendeu estar perante uma questão prejudicial susceptível de justificar, à luz dos critérios concretos e subjectivos de ponderação definidos na lei, a suspensão do inventário.

            E é este despacho, Venerandos Senhores Desembargadores, que a Agravante, interessada e cabeça-de-casal no mesmo inventário vem, pelo presente agravo pôr em crise, com fundamento em que «a questão suscitada pela Agravada em nada impede a prossecução dos autos de inventário, ou sequer a definição dos direitos dos interessados directos na partilha» e de que «mesmo que a acção n.º 1904/10.8TBLRA do 1.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Leiria, viesse eventualmente a determinar a exclusão da verba n.º 7, haveria que proceder unicamente a uma alteração da partilha dessa mesma verba, em conformidade com tal decisão» e não existe verdadeira prejudicial idade, pois a procedência da acção n.º .../10.8TB... do 1.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de ..., não tira razão de ser à existência do inventário» tendo, por tais motivos «o Tribunal feito errada interpretação da situação em causa» e consequentemente «violado os artigos 279.º n.º 1 e 1335.º n.º1 e 2 do Código de Processo Civil.» (conclusões da Agravante). 

            Enfim, Venerandos Desembargadores, tudo se resume em saber se a titularidade do direito real sobre a verba 7 do inventário que se discute na acção n.º .../10.8TB...do 1.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de ..., é à luz n.º do art.º  279.º, n.º 1 ex vi do n.º 1 e 2 do  art.º 1335 ambos do CPC  é questão prejudicial que possa justificar e confira ao Meritíssimo Juíz «a quo» a faculdade de suspender o inventário.

Respondendo a este argumento da Agravante, porque os primeiros dois primeiros devem forçosamente ser apreciados para se saber da existência «in casu» de questão prejudicial que permita a suspensão nos termos das citadas disposições legais, e os dois últimos argumentos são consequência da resposta a esta questão, abarca-se todo o objecto do presente recurso, podendo V. Exas., Venerandos Senhores Desembargadores aferir assim pelo infundado de todos os argumentos da Agravante: 

 

B

Fundamentação

N.º 1 e 2 do Art.º 1335.º e n.º 1 do art.º 279.º do CPC

 

B.1 – À Luz da Doutrina e Direito Comparados

            No curso do processo, o juiz pode ter que resolver questões controvertidas, de cuja solução depende o desfecho do processo.

Tais questões são denominadas prévias, que se dividem em  1) -  preliminares e  2) - prejudiciais(espécies).

1. - Preliminar:  é aquela que, uma vez conhecida, impede o órgão julgador de adeantrar ao exame do mérito da causa; não influencia no mérito, mas condiciona sua apreciação.
            2. - Prejudicial: não impede o exame do mérito, mas influencia no seu resultado. Vale dizer, o juiz não pode examinar o mérito, sem antes apreciar a questão prejudicial.

Outrora, as questões prejudiciais suscitadas no curso de uma ação principal eram conhecidas sob forma de excepção, e dividiam-se em: a) pessoais (tinham por objeto a qualidade, ou estado da pessoa); e, b) prejudiciais (cuja solução dependia do processo principal)

A questão prejudicial nalguns ordenamentos jurídicos, nomeadamente Brasil, Itália e Alemanha, Austria, por influência da Acção Declaratória Incidental inspirada na Doutrina Francesa,  deixou de ser tratada como excepção para constituir objeto próprio de uma ação declaratória incidental que dá lugar a formação de caso julgado, evitando assim decisões conflituantes e a incerteza jurídica dos efeitos jurídicos contraditórios de duas sentenças no futuro.

Neste sentido, para Chiovenda, a Ação Declaratória Incidental é uma ação proposta independentemente de outro processo, a obter mediante julgado, a certeza jurídica sobre a existência de uma vontade concreta de lei. A característica desta ação consiste em que o interesse de agir decorra da contestação, de um ponto prejudicial formulada na lide precedente.

E Cammeo  sendo mais preciso, distingue entre lide prejudicial, que é o que entre nós a dourina designa própriamente por questão prejudicial, e questão prejudicial, que entre nós é o mero incidente da instância.  Lide prejudicial é aquela que pode constituir objecto autónomo e prejudicar a coisa julgada, podendo ser ajuizada por qualquer das partes, mediante ação declaratória incidental. A questão prejudicial, por sua vez, é aquela que o juiz resolve incidenter tantum, valendo como fundamento da sentença, mas não lhe estendendo a autoridade de coisa julgada, que fica circunscrita à conclusão ou dispositivo.

E de facto, a agravada, alegando no processo de inventário a propriedade o prédio descrito como verba 7, invocou um ponto prejudicial numa lide precedente. Por sua vez, ao interpôr acção declarativa autónoma em que pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre aquela verba  e a abstenção pelos restantes interssados no inventário de quaisquer actos lesivos do mesmo, ou seja, pretende obter uma uma sentença constitutiva e de prestação negativa, cujos novos efeitos jurídicos, são, sempre  conseqüência de uma prévia verificação de existência ou inexistência de uma precedente relação jurídica ou direito.

No entanto, o nosso ordenamento jurídico não admite em processo de Inventário um pedido reconvencional, que teria o efeito de uma Acção Declarativa Incidental  Subordinada dentro do processo de Inventário, de forma que a Agravada está impedida de obter no mesmo a declaração de existência ou ineistência daquela relação jurídica, cujo resultado da prestação jurisdicional possa vir a integrar o caso julgado material.

E é essa a razão porque, Venerandos Senhores Desembargadores - salvaguardando os critérios de segurança jurídica, economia processual e prestígio da justiça- não prevendo o nosso Processo De Inventário a defesa reconvencional, consagra indirectamente, através dos n.º 1 e 2 do art.º 1335.º do CPC, uma verdadeira Acção Declaratória Incidental em processo autónomo, à semelhança do que admite o Direito Processual de outros ordenamentos jurídicos, embora nestes casos subordinada e inserida num processo já a decorrer.

Assim sendo, forçosamente para discutir a questão controvertida do seu direito de propriedade sobra a verba  7 do Inventário, a Agravada só podia ser remetida para os meios comuns de defesa, como prevê a citada disposição do nosso Direito Processo Civil.

No direito comparado, a parte tem a faculdade de optar por suscitar a questão sob forma prejudicial e então ela será apreciada  «incidenter tantum», isto é, sem que a sentença obtenha a força de caso julgado e portanto, susceptível de apreciação futura, ou sob a forma de lide prejudicial, obtendo sentença com efeito de caso julgado e decisão definitiva como na lide principal.

O nosso Processo de Inventário também é omisso nesta distinção. No entanto ao conceder ao interessado ou terceiro a faculdade de suscitar ou não a questão prejudicial em sede de Inventário e tratando nos seus n.º 1 e 2 do art.º 1335.º do CPC a questão prejudicial como verdadeira Lide Prejudicial (acção incidental) e deixando às partes a faculdade de a discutirem em processo posterior e autónomo,  permite também a opção por aquelas  duas atitudes procesuais distintas.

Cabe é aos interessados, à semelhança do que acontece noutros ordenamentos jurídicos, por, optando segundo critérios de segurança e certeza jurídica, dirrimir logo a questão prejudicial logo no processo de Inventário evitando futuras sentenças contraditórias, ou deixar a questão para decisão futura mantendo em suspenso os efeitos definitivos da sentença de Inventário.

Ora, a Agravante, ponderando estes dois critérios de segurança jurídica e economia processual, preferiu obter uma sentença de Inventário com efeitos jurídicos definitivos acerca dos direitos de propriedade  dos interssados sobre todas as verbas do inventário, evitando assim os transtornos de futura reabertura deste, alterações de partilhas, quinhões, e anulações de eventuais alienações por algum dos interssados licitadores da verba 7 a terceiros adquirentes.

 Consequentemente, Venerandos Senhores Desembargadores, se vê que até à luz do Direito e Doutrina Comparados, que de certa forma influenciaram as disposições do n.º 1 e 3 do art.º 1335.º do nosso CPC, a interpretação que o Meritíssimo Juíz «a quo» fez das mesmas, no que concerne à admissibilidade da suspensão do Inventário, foi a correcta, não merecendo o despacho de suspenção de Inventário, ora em crise, qualquer censura de V. Exas.

Por sua vez, no mesmo direito comparado, os requesitos de admissibilidade da aludida Acção Incidental são gnéricamente os seguintes:

a)  Controversia sobre a existência ou inexistência da relação jurídica, que nasce
com o oferecimento da contestação, oportunidade em que o réu deve alegar toda a matéria útil à sua defesa.

Se houver confissão ou se este deixar de oferecer a contestação, não haverá oportunidade para o pedido de declaração incidente, salvo se o Autor intentar a Ação Declaratória,  e isso ocorrendo, será determinada nova citação do Réu.

b) Existência de questão prejudicial autónoma ( aquela que poderia ser objecto de processo independente, isto é, não se confunde com o objecto do processo dito principal).

            Ora, «in casu», a agravada suscitou ao mesmo tempo, em reclamação à relação de bens, quer e a existência de uma relação jurídica (o seu direito de propiedade sobre a verba 7 do Inventário,) e a inexistência de outra relação jurídica ( a inexistência da verba 7 do Inventário no acervo dos bens a partilhar) à qual a cabeça de casal respondeu alegando a falta de fundamento de tal pretensão, pelo que passou a existir no Inventário, a partir desta resposta, uma contorvérsia jurídica, ou seja uma questão jurídica controvertida.

            E não oferece dúvida alguma que, tratando-se esta questão controvertida, da discussão sobre a titularidade de um direito de propriedade sobre um prédio rústico, a mesma pode ser objecto de um processo independente e principal, como de resto veio a acontecer.

            Chiovenda, tendo afirmado que as questões prejudiciais eram pontos controvertidos que representariam o antecedente lógico da questão final, depois examinou situações particulares, especificou melhor o conceito. Assim:

1)      não será, em regra, questão prejudicial, a questão relativa a um simples facto jurídico;

2)      será, ao contrário, por sua natureza, questão prejudicial toda questão relativa a um direito considerado como sendo possível objecto principal de um processo autónomo;

3)      será questão prejudicial, aquela, sobre a existência de uma relação jurídica complexa suscitada no processo em que se alegue certo direito oriundo dessa relação;

4)      constituirá questão prejudicial, questão sobre a existência de relação jurídica com obrigações de quotas periódicas, suscitadas no processo em que se cobra a prestação;

5)      a questão prejudicial versa sobre a existência de uma relação jurídica condição da principal;

6)      a questão prejudicial versa sobre a existência de uma relação jurídica incompatível com a principal.

Resumindo: Questão prejudicial é uma questão prévia que, não sendo preliminar (em que a solução pode tornar dispensável ou inadmissível o julgamento das questões delas dependentes), a sua decisão influenciará ou determinará o conteúdo da questão vinculada.

Como anteriormente se referiu, a regra no Direito Comparado é as questões prejudiciais serem resolvidas no processo, «incidenter tantum», de forma a não haver própriamente decisão sobre as mesmas, mas apenas conhecimento das mesmas; no entanto se a parte  asssim o quiser, pode resolver definitivamente a questão prejudicial suscitando no próprio processo uma Acção Declaratória Incidental Subordinada, que funciona como reconvenção no processo principal.

O problema está, como também se referiu, em que o nosso Processo de Inventário não prevê a reconvenção, e como tal, o julgamento definitivo em sede de Inventário de uma questão prejudicial.

Ou seja, o Julgador, no nosso Processo de Inventário está impedido de dirrimir defenitivamente, com força de caso julgado, qualquer questão prejudicial que qualquer das partes ou terceiro suscite.

Esta solução, cuja bondade ou não se pode discutir numa perspectiva de «jus condendo», parece até a mais lógica, atendendo à singileza de procedimentos e especifidades próprias do Processo Especial de Inventário, que se destina à partilha de um acervo hereditário, discutindo apenas relações sucessórias, muito distinto das acções Comuns, cujo procedimento, dada a complexidade das relações jurídicas envolvidas, prevê outro tipo de procedimentos.  

Chiovenda, a este propósito, diz: «são absolutos os limites decorrentes da matéria da causa. Quando a lei atribui a um juiz uma causa, tendo em vista a natureza dela, obedece à consideração de ser esse juiz mais idóneo que outro para decidir; e, essa consideração não tolera aos particulares parecer diferente».

Isto é, se a norma de organização judiciária dispôs que no processo de Inventário se declarasse apenas o direito a determinados bens do acervo hereditário, deixando a constituição de direitos patrimoniais para os meios comuns, foi porque entendeu que a discussão das relações patrimoniais, pelos os meios de prova envolvidos, pela sua complexidade,  não eram compatíveis com a brevidade e celeridade do Processo de Inventário.

Se o quisesse, tinha-o previsto expressamente, ou pelo menos, admitido que a reclamação à relação de bens tivesse efeito de uma reconvenção no Inventário (de carácter declaratório e mais abrangente de um pedido declaratário, à semelhança da Acção Declaratória Incidental no Direito Alemão; ou restrita à declaração da existência ou não da relação jurídica, caracterizadora da questão incidental, com prevêm os Direitos Italiano e o Brasileiro) e a notificação da mesma ao cabeça-de-casal e restantes interessados tivesse efeito de uma verdadeira citação.

A organização do sistema judiciário, as especificidades de brevidade, simplicidade de prova do Processo de Inventário, decorrentes da simplicidade da relação jurídica sucessória, em contraponto com a complexidade da relação jurídica patrimonial, são os motivos que justificam que estas relações sejam discutidas nos meios comuns e não no Processo de Inventário. 

Ora tendo suscitando a Agravada em reclamação à relação de bens e posteriormente em processo autónomo a questão do direito de propriedade sobre a verba 7 do Inventário, atento o que supra se vem dizendo, é mais que motivo justificado para a suspenção do Inventário.

Consequentemente, Venerandos Senhores Desembargadores, se vê que até à luz do Direito e Doutrina Comparados, a ponderação que o Meritíssimo Juíz «a quo» fez da disposição do n.º 1 do art.º 279.º do nosso CPC, no que concerne à remissão ou não das partes para os meios comuns, foi a correcta, não merecendo o despacho de suspenção de Inventário, ora em crise, qualquer censura de V. Exas.

Mas não só, Venerandos Senhores Desembargadores:

 

Outras razões, que a seguir explanaremos (subsumidas ao regime aplicável, que é anterior à Lei n.º 29/2009 de 29 de Junho),  levam à manutenção do despacho ora em crise,  apesar de a suspensão do processo de inventário derivada da pendência de causa prejudicial sempre ter dividido a doutrina e a jurisprudência, e, continuar, em nosso entender, a merecer actualidade, visto o legislador não se ter comprometido expressamente sobre tal matéria, mantendo assim a discussão acesa, mas que parece ter querido atenuar ao reforçar o critério objectivo da ponderação do julgador omitindo no n.º 2 do art.º 18.º do novo regime do inventário (Lei n.º 29/2009 de 29 de Junho) a referência aos critérios subjectivos previstos no art.º 279.º do CPC para que remetia o n.º 2 do art.º 1335.º do CPC. 

 

B.2 – A Doutrina e Jurispudência Nacinais

Diz o Prof. Dr. José Alberto dos Reis (Comentário, III Volume, pág. 268) que « uma causa é prejudicial em relação a outra, quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda». E acrescenta que «... a razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos...».

Por sua vez, o Conselheiro Rodrigues Bastos (em Notas III, pág. 42) entende que a decisão de uma causa depende do julgamento de uma outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa influir ou modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a solução do outro pleito.

O Prof. Dr. Manual de Andrade, nas suas Lições de Processo Civil, pág. 491/492, ensina também que «Verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é pura e simplesmente uma reprodução da primeira. Mas nada impede que se alargue a questão da prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discuta a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal».

Castro Mendes nos “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pág. 196” apelida de questão prejudicial «a questão de mérito necessária à resolução do thema decidendum, apta a formar por si objecto doutro processo e que se coloque em momento logicamente anterior ao das questões fundamentais (causa de pedir, excepções peremptórias).».

Assim sendo, e resumindo a doutrina destes quatro ilustres “tratadistas”, o que interessa, para dizer se uma questão é prejudicial ou não, é que a decisão a proferir na acção prejudicial deva ser tida em conta na outra acção, considerada como dependente. Explicitando melhor, que se trate de uma questão cuja resolução por si só, possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito.

Ora, a referida questão prejudicial, verifica-se «in casu». Senão, vejamos, Venerandos Senhores Desembargadores:

O que está em causa com a reclamação da Agravada à relação de bens com fundamento em relacionamento indevido da verba 7 que aquela adquiriu por usucapião, é a definição dos direitos de todos os interessados directos na partilha àquela verba.

Explicitando ainda melhor: O que se vier a decidir na acção de natureza patrimonial intentada pela Agravada, pode influir na decisão a proferir na acção de Inventário, reduzindo substancialmente o valor da herança, o mapa da partilha, os quinhões de cada interessado e sobretudo, deixando a sentença homologatória em suspenso de uma hipotética reabertura do inventário, com prejuízo da segurança e certezas jurídicas dos interessados e do comércio jurídico em geral.

Mais, sendo as partes as mesmas em ambas as acções, a decisão que vier a ser proferida na acção patrimonial forma caso julgado em relação à acção de Inventário e pode determinar a reabertura desta e que deixe de ter razão a partilha com base na relação de bens que foi objecto atempado de reclamação, por excesso.

Por sua vez, a Jurisprudência Nacional, que admite a suspensão ou não consoante as particularidade de cada caso (porque a hesitação do legislador deixou ampla margem à ponderação do julgador para em face de cada caso decidir), desde a mais antiga à mais recente, de que destacamos a título de exemplo, a seguinte, é pelo menos unânime quanto à interpretação que faz dos artigos 1335.º do CPC:

«I - o problema da usucapião envolve a alegação de factos complexos, importando averiguação bastante complicada que exige larga produção de prova, para depois se poder decidir a questão jurídica da aquisição, pela posse, do direito de propriedade, a qual só se compadece com os meios ordinários, sem poder ser resolvida sumariamente em processo de inventário (…) V – Só podendo prosseguir o inventário, com racionalização de todos os bens – doados e não doados – e se isso não for possível enquanto se não decidir nos meios comuns a questão da usucapião dos prédios não doados, deverá o processo de inventário aguardar sem prejuízo do disposto no art.º 122.º n.º2 do Cód. Das Custas Judiciais que os interessados provem que vão resolver o devido problema.» (Ac. da Rel. do Porto, de 19/01/73 BMJ 223, pág. 281).

«I – Devem resolver-se no processo de inventário as questões de facto que dependem de prova documental e aquelas cuja indagação se possa fazer com provas que, embora de outra espécie, se coadunem com a índole sumária da prova a produzir naquele processo. II – Salvo nas questões cuja complexidade desde logo evidencia só poderem ser decididas pelos meios comuns, há que convidar os interessados a produzir provas, não sendo lícito remetê-los, sem mais, para tais meios». (Ac. Rel. do Porto, de 30/11/78, Col. Jur., 1978, Tomo 5, pág. 1624).

«1. Tendo os interessados solicitado a exclusão de verbas da relação de bens, a decisão de remessa para os meios comuns tem o efeito imperativo de não afastar, pelo menos, enquanto não for proferida decisão consentânea nesse sentido, a sua relacionação no inventário, onde permanecerão, nomeadamente, até à aludida decisão, na acção declarativa apropriada, se esta for instaurada na pendência do inventário.2. A propósito das questões prejudiciais, contempladas no artigo 1335º, o juiz goza da faculdade de determinar a suspensão da instância, até que ocorra a sua decisão definitiva, ao contrário do que acontece com a situação do incidente de reclamação contra a relação de bens, em que o artigo 1350º, nº 1, ambos do CPC, não consagra, expressamente, essa possibilidade.3 Tratando-se de uma discussão entre interessados, tendo estes sido remetidos para os meios comuns, os bens respeitantes às verbas cuja exclusão se reclama devem considerar-se como litigiosas, com o esclarecimento, na descrição, dessa sua natureza. 4. A suspensão do inventário só deve ser ordenada quando os herdeiros demonstrarem haver já recorrido aos meios comuns, por só, então, existir fundamento sério para tal.» (Ac. Rel de Coimbra de 11/09/2007 no proc.48/03.3TBFIG.C1)

«I. Em processo de inventário, a decisão da reclamação apresentada contra a relação dos bens a partilhar não tem que ser uma ‘summaria cognitio’, antes devendo o juiz decidir a questão com todo o rigor e ponderação. II Mas se assim não puder ser, designadamente por implicar redução nas garantias das partes, dada a natureza sumária da respectiva instrução, então os interessados devem ser remetidos para os meios comuns (artigos 1336.º, n.º 2 e 1350.º, n.º 1 do CPC).»(Ac. Rel. Porto n.º JTRP00042900 de 08/09/2009, no Proc.325/06.1TBCNF.C.P1 in www.dgsi.pt)

É por essa razão que, como dispõe o n.º 1 do art.º 1335.º do CPC, que suscitando-se na pendência do inventário «questões prejudicais de que dependa… a definição dos direitos dos interessados directos na partilha que, atenta a sua natureza ou complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas, o juiz determina a suspensão da instância, até que a decisão seja definitiva…»

França Pitão em anotação a este mesmo n.º 1 do art.º 1335.º no “Processo de Inventário (Nova Tramitação)”, a respeito das questões prejudiciais, explicando o sentido desta disposição, diz que « podem surgir no decurso do inventário questões prejudiciais, quer quanto à admissibilidade do processo, quer quanto à definição dos direitos dos interessados directos na partilha. Nestes casos, poderá ser a questão ser incidentalmente resolvida no próprio inventário, quando a sua resolução seja linear, prosseguindo aqueles os seus termos. No entanto, situações há em que a complexidade da questão “obriga” a que a sua solução seja tomada através dos meios comuns. Será por exemplo, o caso de se questionar sobre a consistência ou não do direito de propriedade do de cujus sobre determinado bem relacionado, ou discutir-se sobre a aquisição do direito de propriedade por usucapião sobre um certo imóvel, com vista a saber-se se faz ou não parte do acervo patrimonial da herança. Quando tal aconteça, o juiz determina a suspensão da instância relativamente ao inventário, até que aquela outra questão se encontre decidida nos meios comuns».(sublinhado nosso).

O Dr. Lopes do Rego, a propósito da reclamação da relação de bens, referiu no seu “Comentários ao Código de Processo Civil”, volume II, 2.ª edição, ano 2004, na anotação IV ao art.º 1344.º, a págs. 262, que «por força do preceituado nos artigos 1335.º e 1336.º, a decisão incidental de quaisquer questões no inventário não tem que ser uma ‘summaria cognitio’, devendo o juiz decidir definitivamente – com o indispensável rigor e ponderação – quaisquer questões, salvo se a sua natureza e complexidade (atenta a necessidade de respeitar as garantias das partes) aconselhar a remessa dos interessados para os meios comuns ou a resolução meramente provisória da questão suscitada» 

E o n.º2 do art.º 1335.º, conjugado com o n.º1 do art.º 279.º concretiza e delimita os critérios para aferir da existência ou não dessa prejudicialidade e da faculdade em o julgador suspender ou não com base na mesma, do inventário:

Com efeito, dispõe o n.º 2 do art.º 1335.º que «Pode ainda ordenar-se a suspensão da instância, nos termos previstos nos artigos 276.º n.º 1, alínea c) e 279.º, designadamente quando estiver pendente causa prejudicial em que se debata algumas questões a que se refere a alínea anterior».(sublinhado nosso).

E diz a al. c) do n.º1 do art.º 276.º que a instância suspende-se «quando o tribunal ordenar a suspensão» acrescentando o art.º 279.º que «o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado (sublinhado nosso).

A Jurisprudência Nacional, no que concerne à interpretação do art.º 279.º do CPC, embora apresentando decisões diferentes, consoante a ponderação de cada caso concreto (pela mesma razão de o legislador ter deixado ampla margem à ponderação do julgador para em face de cada caso decidir), também é unânime quanto à forma como deve o julgador ponderar o caso concreto para decidir pela suspensão ou não:


«I – Quando a Lei permite que possa ser ordenada a suspensão quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta, a anterioridade aí mencionada é relativa à própria suspensão, querendo, portanto, significar que para ser decretada a suspensão é necessário que a acção considerada como prejudicial já tenha sido proposta, antes ou depois da acção a suspender. II – Resulta do art. 279.º n.º 1 1.ª parte do C. P. C., que a suspensão da instância por causa prejudicial depende de nesta se discutir questão cuja decisão pode destruir o fundamento ou razão de ser daquela.
III – A 2.ª parte do n.º 2 do art. 279.º deve ser entendida no sentido de que a lei não toma em consideração, propriamente, os prejuízos ou vantagens (de um ponto de vista subjectivo) das partes, mas apenas a fase em que se encontra a causa dependente quando é requerida a suspensão.»
(Ac Rel. Coimbra n.º 4265/03 datado de 09/03/2004 no proc. 314/09.4TBAVR.C1, em www.dgsi.pt)

Para efeitos de suspensão para a anterioridade de questão prejudicial basta que a a acção considerada como prejudicial já tenha sido proposta, antes ou depois da acção a suspender. E foi o que aconteceu no caso concreto.

A suspensão do inventário não tem de ser imediatamente ordenada, devendo antes acontecer quando os herdeiros demonstrarem haver já recorrido aos meios comuns  (Ac.  Rel. Coimbra, de 19/08/84, BMJ n.º 388.º, 480). Trata-se, assim, de uma medida cautelar que assegura que a suspensão da instância só será decretada quando existir fundamento sério para tal (Ac. Rel. Porto, de 19/01/73, BMJ n.º 223, 281 e Ac. Rel.Porto n.º JTRP00042144 de 02/02/2009 in www.dgsi.pt, «a contrario»).

Ora, a Agravada requereu a suspensão com fundamento e prova de que já havia recorrido aos meios comuns a pedir que se declare que a verba n.º 7 lhe pertence.

Assim, a simples circunstância da acção que determinou a suspensão ter sido instaurada posteriormente à de inventário não é bastante para concluir que foi unicamente instaurada para obter a suspensão destes autos.

Por sua vez, pelo que se vem dizendo no que concerne à certeza jurídica, não existe base para concluir que a suspensão destes autos causará mais prejuízos do que as vantagens decorrentes da mesma.

Por isso, «a contrario» do disposto do n.º 2 do art.º 279.º conjugado com o n.º 1, a suspensão era não só admissível, como a decisão sobre a mesma correcta segundo estes dois critérios de ponderação.

A alternativa seria, entendendo o Meritíssimo Juíz «a quo» indeferir a requerida suspensão, prosseguir o inventário relacionando-se a verba n.º 7 como direito litigioso, abstendo-se o tribunal quanto à mesma, ficando as partes a aguardar o que for decidido em relação á mesma ( neste sentido Ac. Rel. Lisboa de 14/01/2010 no proc 588-A/2002.L1-6 in www.dgsi.pt,)

Mas a certeza e a segurança jurídica, comprazem-se com esta solução de fazer prosseguir o inventário, como pretendem os agravantes, relacionando a verba 7 como direito litigioso, ficando as partes suspensas da decisão numa questão prejudicial, quando o n.º 3 do art.º 1335 permite ao juiz reavaliar sempre e «a posteriori» a decisão a requerimento dos interessados, para fazer prosseguir o inventário por demora injustificada ou inviabilidade da pretensão numa decisão da questão prejudicial?

É que, Venerandos Senhores Desembargadores, na decisão de suspensão está também subjacente o critério de ponderação do juiz sobre os interesses da segurança jurídica/economia processual «versus» celeridade processual.

De facto, como esclarece França Pitão, no citado “Processo de Inventário (Nova Tramitação)” em anotação ao mesmo art.º 1335.º do CPC, «claro que o deferimento no prosseguimento do inventário, apesar da questão prejudicial, depende sobretudo do critério de prudente arbítrio do Juíz, que analisará casuisticamente cada uma das situações que se lhe deparem e decidirá de acordo com equilíbrio dos interesses em causa . Assim sendo, o Juíz terá, em primeiro lugar de “guiar-se” por um critério concreto, e não segundo princípios abstractos; por outro lado, estará presente o critério subjectivo do Juíz, isto é, aquele que determine, em seu entender, a melhor solução para o caso vertente.»  

E «in casu», a ponderação que o Meritíssimo Juiz «a quo» fez, não parece, face aos referidos critério concreto e subjectivo e a tudo o que se vem aduzindo, irrazoável.

E assim sendo, Venerandos Senhores Desembargadores,

 

 

 

C

Conclusão

1-      A questão do direito de propriedade sobre a verba 7 do inventário, suscitada pela Agravada na acção n.º .../10.8TB... do 1.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de ..., é questão prejudicial é à luz n.º do art.º  279.º, n.º 1 ex vi do n.º 1 e 2 do  art.º 1335 ambos do CPC, que pode justificar e confere ao Meritíssimo Juíz «a quo» a faculdade de suspender o inventário.  E assim sendo, em consequência:

2-      O Tribunal «a quo» fez correcta interpretação da situação em causa,

3-      Não tendo violado os artigos 279.º n.º 1 e 1335.º n.º1 e 2 do Código de Processo Civil.

 

Nestes termos,

e nos demais de Direito, e com o Douto Suprimento de V. Exas., Venrandos Senhores Desembargadores, deverão V. Exas. confirmar o despacho recorrido, com o que farão, como é timbre deste Venerando Tribunal, Serena e Objectiva

                                                                                  JUSTIÇA!

 

O Advogado

publicado por Manuel Maria às 19:22

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