Cumprimentos, considerações prévias.
Posto isto e porque, como referia Molina, jurisconsulto Espanhol do Sec XIX, o advogado claro e conciso é o melhor amigo dos juízes e da justiça, passo imediatamente às
A
Considerações sobre a idoneidade das testemunhas
Quanto às testemunhas […] e depoimentos para memória futura ( todas prostitutas):
Falar de prostituição, ainda hoje é preconceituoso, fruto de uma visão repressiva da sexualidade feminina, e de uma concepção judaico-cristão de pecado.
A boa mulher é a esposa e mãe, logo a casada, fiel, exprimindo a sua sexualidade no contexto de uma relação familiar afectiva, idealmente oficializada pelo casamento.
E o preconceito este que não é de hoje.
Tobias Barreto, advogado e poeta brasileiro, glosava assim o preconceito de um juiz, num crime sexual(1874):
Namoro não é crime
(A um Juiz da Escada)
Considerando que as flores
Existem para o nariz,
E as mulheres para os homens,
Na opinião do juiz;
Considerando que as moças,
Ariscas como a perdiz,
Devem ter seu perdigueiro,
Na opinião do juiz;
Considerando que a gente
Não pode viver feliz
Sem fazer seu namorico,
Na opinião do juiz;
Amemos todos, amemos,
E Cupido quem o diz;
Pois namoro não é crime,
Na opinião do juiz...
Mas ainda hoje, depois da descriminalização da prostituição em 1983, a visão não é muito diferente:
Susana Silva in “Análise Social”, vol XLII, 2007, 789-810, sobre o tema intervistou vários magistardos. Um deles, do sexo masculino, dizia:
«Estas prostitutas que existem hoje, raramente são as Heritrae gregas ou as gueixas japonesas – não são pessoas cultas, inteligentes, informadas, com sentido artístico e mais não sei quê […] Não se pode estar a fazer uma sondagem com elas e esperar que elas digam o que quer que seja ou que elas tenham opinião sobre o assunto, porque elas não têm».
Ou seja, sofrem de uma espécie de inabilitação legal
E os relatórios sociais também não fogem à norma:
Centram-se numa clivagem entre famílias normais/famílias desviantes, veiculas pelo sistema de segurança social português, associando as prostitutas a famílias de origem disfuncional caracterizadas pela ausência do elemento masculino («era uma família bastante disfuncional, com alguns filhos de cada pai»), analisando três parâmetros: Composição do agregado; caracterização da habitação; situação económica.
E daí conclui-se que estas mulheres são propensas à promiscuidade, porque não tendo famílias normais tendem a assumir maus comportamentos.
Este comportamento moral, económico e social, que subtilmente é tornado sinónimo de comportamento sexual, projectam as prostitutas para a base da hierarquia de credibilidades, porque se faz depender esta do seu comportamento sexual discordante com a moral dominante.
Abstraindo destes preconceitos, as prostitutas são tão credíveis como quaisquer outras testemunhas.
Tudo isto para dizer
Que os depoimentos para memória futura, o testemunho da Elisabete e Salomé são tão credíveis, como o das restantes testemunhas.
E não existe nenhuma razão para não considerar verosímeis.
Inspectores da PJ – testemunho sereno, isento, habituados a agir racionalmente e objectivamente.
J. C. – cliente, respondeu com serenidade e sem rodeios.
M. J. – Depoimento não totalmente coincidente com as declarações na pj, mas pode mito bem explicar-se a nervosismo (lapsos são explicáveis pela ignorância da distinção entre doação e testamento) e esclarecimento sobre os recibos, e recheio da casa, construção, destino, problemas de licenciamento e arrendamento estão em consonância com os restantes testemunhos e com a prova documental e são de forma a acreditar na veracidade do seu depoimento.
J. A. – Testemunho sereno, isento, indo aos pormenores da construção e datas, que também é coincidente com os restantes testemunhos, não havendo qualquer circunstância que leve a afastar a veracidade o seu depoimento.
A. M. – Também isento e sereno e de acordo com os restantes
A. – “ “ “
No que concerne aos factos da acusação:
B
A Arguida G. vem acusada, sumariamente:
1) De em data não apurada construir uma vivenda em […], para a prostituição
2) De recrutar mulheres, entre as quais a arguida B, para ali praticarem a prostituição
3) A arguida G arrendou em 1997 à arguida B e ali continuou a prostituição
1 – Vivenda construída para a prostituição
a)Argumento da Acusação: A vivenda foi construída em data não apurada para o exercício da prostituição
Casa de tipologia pouco habitual para habitação, (6 assoalhadas, 5 delas quartos de dormir, equipados no seu interior com lavatório, bidé, um pequena instante e por cima desta um espelho redondo, cuja parede está revestida de azulejo com a finalidade de servirem para a prática da prostituição) e ali acorriam vários homens com a finalidade de manterem relações sexuais com mulheres que ali estavam para o efeito.
Prova:
Tipologia da casa; não estar legalizada; mobiliário e objectos( que atestam a prática da prostituição); testemunho dos senhores inspectores (quanto à singularidade da configuração da casa, aos objectos encontrados conotados com a prostituição, cobertas e cortinados de estilo berrante); dos depoimentos para memória futura, da testemunha Jorge, Elisabete e Salomé ( prática de facto da prostituição).
b)Argumentos da defesa: A vivenda foi construída para um lar de terceira idade.
Construída de rés-do-chão com fácil e movimentação para pessoas idosas, tipologia também para lar (cinco quartos, duas casas de banho, duas salas, uma delas refeitório, cozinha à parte, cómodos), quartos com bidé e lavatório para facilitar a higiene individual de idosos, mobiliário dos quartos (cama, cómoda, roupeiros); numa das salas mesa de refeições, aparador de louça; recheio da casa com roupas de cama e cortinados todos iguais, cozinha equipada com fogão, frigorífico, duas arcas frigoríficas, trem de cozinha, máquina de lavar roupa, ferro de engomar; objectos encontrados na busca conotados com prostituição não fazerem parte do recheio inicial e de pertença não comprovada à arguida; não ter procedido ao licenciamento de lar por não ter sido possível a licença a licença para as alterações do barracão que fora licenciado pela Câmara; a arguida é pessoa de pouco expediente e quem lhe tratava dos assuntos era a cunhada a quem outorgou duas procurações ( 1993 e 2002); tomava conta de um idoso desde 1983 a 1993 (descontos de serviço doméstico e declaração) e desde 2004 num lar de terceira idade (descontos por remunerações e declaração), pediu inclusive empréstimos bancários (dois, de mil e quinhentos euros cada um); de a casa não ter requisitos ou estar legalizada não se pode concluir que não fosse para esse efeito (há dezenas de lares que funcionam, sem requisitos, ilegalmente e sem alvará), não existe nenhuma prova testemunhal nem documental que relacione a arguida com a prática da prostituição ali praticada nomeadamente desde a sua construção até ao arrendamento à arguida B e depois que esta a tomou de arrendamento (arrendou para habitação).
Prova:
Os fotogramas exteriores da casa (térrea e de fácil acesso), testemunho do senhor inspector chefe, A. C. (tem ideia de haver sala de jantar com mesas, lembra-se de pelo menos quatro quartos, não se recorde se tinham ou não roupeiros, a casa assemelhava-se a um pequeno hotel de aldeia, pouco usual para viver uma família normal, podia também ser para prostituição ou mesmo para um lar, refere que a arguida G não estava na casa aquando da busca e não há objectos apreendidos cuja propriedade lhe possa ser atribuída), testemunho do senhor inspector M. (casa dividida, todos os quartos iguais, quartos tinham bidé e lavatório, roupeiros não recorda se havia ou não, refere que a arguida G não estava na casa aquando da busca), Inspector P (a entrada na casa era directamente para um corredor, havia uma parte que era utilizada pela arguida B com quarto, sala, cozinha, casa de banho e arrecadações e outra com sala, e três ou quatro quartos; das salas, uma era maior, outra mais pequena, numa das salas havia sofás, mesa de centro, noutra havia lareira, mesa e cadeiras, aparador com loiças, podia funcionar como lar, mas não legal, refere que a arguida G não estava na casa aquando da busca e não há objectos apreendidos cuja propriedade lhe possa ser atribuída); Testemunho de J C (Nunca viu a arguida Gertrudes na vivenda, que frequenta há cerca de doze anos, mas viu lá por diversas vezes a arguida Ana Maria e outras pessoas) testemunho de M. J. (A cunhada sempre trabalhou com idosos e foi por isso que mandou construir para lar, foi a M. J. que acompanhou as fases de construção e desenho dos projectos, havia casas nas redondezas, não havia PDM em vigor na […] pelo que sempre pressupuseram que podiam construir, houve processo de licenciamento para barracão, depois dividiram e quando forma pedir a licença a câmara indeferiu e pôs processo para demolição, mas como o erro foi da Câmara que nem devia ter permitido o barracão, não houve demolição e apenas pagaram multa, a casa tem duas salas e quatro quartos, um deles é um salão grande para refeições, tem inclusive portas mais largas que o normal na entrada e corredor para passar com macas, não existem degraus em toda a casa para facilitar a locomoção a pessoas idosas, numa das salas mesa de refeições, aparador de louça; recheio da casa com roupas de cama e cortinados todos iguais, cozinha equipada com fogão, frigorífico, duas arcas frigoríficas, trem de cozinha, máquina de lavar roupa, ferro de engomar; objectos encontrados conotados com prostituição não fazerem parte do recheio inicial e de pertença não comprovada à arguida); testemunho de J. A. (andou na construção da vivenda que descreve como térrea, descreve as divisões, cinco quartos duas salas, duas casas de banho, cozinha e arrecadações, lavatórios e bidés em quatro quartos, todos iguais, e que era para lar, porque se deu a ocasião de o mosaico para piso das áreas dos lavatórios ter sido trocado por um antiderrapante, refere que primeiro se fez muro exterior, depois barracão e só por volta de 1996 a divisão interior tal como está agora); testemunho A. M. (que refere que a casa é da arguida G, que está arrendada para habitação desde 1997, quem recebe as rendas é M. J. que tem procuração da arguida G), testemunho de A. (que foi ao interior duas ou três vezes, a última das quais há cerca de cinco anos; que sabe que tem uns quatro ou cinco quartos, todos iguais, com bidé e lavatórios, duas salas e cozinha; a primeira vez logo no início para sangrar e afinar o aquecimento nas divisões, o que foi em no Inverno de 1996 para 1997 e nessa data já lá vivia a arguida B) testemunho de E – prostituta- (que referem não conhecer a arguida G); Os três depoimentos para Memória Futura (que nunca referem a arguida G)
Documentos: Atestado da Junta de Freguesia de […] e recibos de luz e água (que atestam que a arguida G reside em […] Declarações de particular e de um lar e certidões da segurança social (que atestam o percurso profissional da arguida desde 1982 a 2008 como ligado ao cuidado de pessoas idosas); Procuração de 1993 e 2002 à M J (para tratar do licenciamento e para administração geral relacionada com o lar), Notícia do Região de Leiria de 26-10-2000, da autoria de Patrícia Duarte com o título “idosos maltratados” in www.regiãodeleiria.pt (que refere no concelho Leiria 16 lares, 14 dos quais ilegais, sem alvará, em Leiria e Pombal mais de 4º lares, grande fatia dos quais funcionando ilegalmente, e que há pessoas que trabalham há anos sem alvará, para isso concorrendo a morosidade do processo de licenciamento e uma dose elevada de ignorância, abrindo a maioria das pessoas sem conhecimento de que é preciso tratar de papéis, por acharem que tratar idosos é uma tarefa doméstica); Página do site da Segurança social relativo ao licenciamento das IPSS, Dreg 86/89 que na sua norma III apenas impõe quatro requesitos para um lar de terceira idade. A lei só passou a ser mais rigorosa com a lei de 2000 em que num anexo IV estabelecia os requesitos que existem agora. O actual DL 64/2007 tem seis páginas só de procedimentos e que até eu nem tive paciência de ler até ao fim.
V. Exa. ponderando assim o peso das provas da acusação e da defesa, poderá concluir par onde pende o prato da balança, ou se o prato da defesa equilibra pelo menos o da acusação.
2 – Recrutar Mulheres, entre as quais a arguida B, para ali praticar a prostituição
a) Argumento da Acusação: A vivenda foi construída para o exercício da prostituição. È propriedade da arguida G e pratica-se ali prostituição conforme resultou das buscas
Prova:
Busca (objectos apreendidos conotados com a prostituição); cliente a praticar acto sexual (Jorge); Depoimentos para memória futura (em que as mulheres referem praticar na vivenda actos sexuais a troco de remuneração), testemunhos dos senhores inspectores que referem a pratica de prostituição na vivenda e das testemunhas E e S –prostitutasa- que referem terem-se prostituído na vivenda; A casa estar inscrita em seu nome nas finanças; a arguida G admitir a sua propriedade; elementos de contabilidade, recibos de 7913eur.
b)Argumentação da defesa: Da prova só resulta que a vivenda tem configuração pouco usual; Não existe nenhuma prova documental ou testemunhal nos autos que refira que a arguida G arregimentou à arguida B ou qualquer outra mulher para a prática da prostituição naquela vivenda, nem que a mesma vivenda tenha sido explorada para a prostituição antes de ser arrendada à arguida B.
Prova:
O testemunho dos senhores inspectores (que apenas ligam a arguida G à vivenda por ser a proprietária) testemunho do inspector chefe A. C. ( que refere que havia caderno de contabilidade com etiquetas coloridas para cada prostituta, que estavam no quarto da arguida B, ela própria indicou que o quarto era dela dinheiro que estava no quarto da arguida B, o dinheiro apurado nem dava para pagar a renda, que a arguida B, identificou-a na bancada dos arguidos, como a senhora do meio, se assumiu como responsável ) testemunho do inspector M (que as senhoras que estavam a prostituir-se referirem que estavam de livre vontade, o quarto da arguida B tinha objectos pessoais que não tinham os outros quartos, referiu que as pessoas que ali estavam a dedicar-se à prostituição referiram que davam uma parte à arguida B para despesas e renda, da análise da contabilidade e recibos de renda de 7913eur não correspondiam por serem estes de valores muito elevados em relação aqueles) o testemunho do inspector P (no quarto da B foram apreendidos, dinheiro agendas e extractos bancários) a testemunha J C (que nos cerca de doze anos que lá entrou nunca viu a arguida Gertrudes, apenas a arguida B e outras mulheres) Os depoimentos para memória futura (que não referem qualquer ligação da arguida Gertrudes à vivenda) a testemunha M J (que refere apenas a existência de um arrendamento à arguida B Maria) testemunho de A M (a casa sempre esteve arrendada à arguida B logo após ter sido construída) testemunhos de E e S – prostitutas -(foi a arguida B que as contratou, não conhecem a arguida G, e nunca ouviram falar dela) Nenhuma prova documental ou testemunhal que prove que antes do arrendamento à arguida B a arguida G a explorasse para prostituição.
V. Exa. ponderando assim o peso das provas da acusação e da defesa, poderá concluir par onde pende o prato da balança, ou se o prato da defesa equilibra pelo menos o da acusação.
3 – Arrendou em 1997 à arguida G que ali continuou a prostituição
a)Argumento da Acusação: A vivenda foi inicialmente explorada na prostituição e continuou com a mesma actividade depois de ser arrendada à arguida B
Prova:
Objectos, documentos e buscas, recibos
b)Argumentação da defesa: Não há nenhuma referência a prostituição na vivenda antes do arrendamento; Portanto não se pode inferir que o arrendamento fosse para o mesmo objectivo.
Prova:
Testemunho do inspector M (os recibos eram muito acima da média do rendimento das casas de prostituição, recibos de renda não coincidiam com a contabilidade) a testemunha M J (recibos nde 7.913,00€ eram fotocópia de recibo de caução, a renda era apenas de 790,00€) testemunha J C (conhece a casa há pelo menos 12 anos e nunca lá viu a arguida G) testemunha A M, e A (casa arrendada à arguida B logo imediatamente a ser dividida em 1996). Nenhuma prova que indicie que a arguida B tivesse continuado actividade de prostituição que já vinha sendo explorada na vivenda pela arguida G.
Documentos: A arguida tem actividade profissional regular desde 1983 - doc 5 a 8 da Instrução, o mesmo património desde 1992 ( fol 188 e seg), contas bancárias que não reflectem indícios de proveitos não justificados (fols 238 a 280). Recorreu ao crédito bancário que só liquidou em 2008 - doc 1 da contestação ( os proventos da prostituição são de tal ordem que ninguém precisa de recorrer a crédito bancário ) a prova do seu património e contas bancárias não indiciam qualquer rendimento não declarado ou de proveniência ilícita. Minuta de despejo e recibo de honorários de Fev de 2008 (antes da acusação e após depoimento na PJ)
V. Exa. ponderando assim o peso das provas da acusação e da defesa, poderá concluir para onde pende o prato da balança, ou se o prato da defesa equilibra pelo menos o da acusação.
C
A Arguida G fomenta, favorece e facilita a prostituição de forma profissional na vivenda
Conduta punida nos termos do art.º 169 n.º 1 do CP como crime de lenocínio.
Artigo 169.º
Lenocínio
1 - Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
…
Artigo alterado pela Lei n.º 99/2001 de 25.08. Redacção actual dada pela Lei n.º 59/2007 de 04.09.
Na previsão do art.º 169 está a exploração de uma pessoa por outra, uma espécie de enriquecimento ilegítimo fundado no comércio do corpo de outrem.
Inculca tal entendimento o facto de o tipo legal de crime prescreve que o agente actue profissionalmente ou com intenção lucrativa.
Para que se verifique o crime, basta que o agente pratique algumas condutas previstas (fomentar, favorecer… ) profissionalmente ou de forma lucrativa.
Fomentar: incitar à corrupção ou determiná-la, quando não existir, agravá-la quando já existe ou evitar que enfraqueça ou quando já está em curso.
Favorecer ou facilitar: beneficiar, proteger, auxiliar, apoiar.
E a realização desta operação é importante para distinguir entre lenocínio principal, cusa dans (fomentar) e acessório, causa non dans (facilitar), que revela em sede de culpa e por conseguinte, na medida da pena.
Se a prostituição fosse crime, fomenta-la seria co-autoria; facilitá-la seria cumplicidade.
I – É também comum distinguir-se entre proxenetismo e rufianismo:
a) Proxeneta: é «corrector, agente intermediário» ou «profisssional intermediário em amores» , que assim facilita ou favorece o exercício da prostituição.
b) Rufia: «é aquele que vive à custa de mulheres de má nota».
a) No rufianismo há apenas o aproveitamento de actividade alheia «sem que previamente o agente tenha desencadeado a situação que a desencadeou» (Anabela Miranda Rodrigues, citando Leal Henriqes-Simas Santos e Nélson Hungria, Comentário Conimbricense, I, 521) não sendo necessário que a iniciativa parta do agente», pois pode tratar-se de oferecimento espontâneo da prostituta» (ibiden). De sorte que, agora citando Costa Andrade, «a rufianaria pode criara relações de particular afecto e protecção, não devendo haver intervenção do direito penal»
b) O lenocínio, por sua vez, constitui prática do proxeneta, não atingindo o rufia ou rufião. Esta doutrina encontra-se na base do Ac. STJ de 29-02-96, nos casos em que, a partir de 1995, com eliminação do n.º 2 art.º 215.º, o lenocínio passou apenas a ser praticado nos casos previsto no art.170.º n.º 1 e 2. Actual 169 n.º 1 e n.º 2.
II - Agente de lenocínio
Pode ser qualquer homem ou mulher, que actue, favorecendo fomentando ou facilitando, profissionalmente ou com intenção lucrativa.
Fomentar…
É incentivar, estimular, determinar, promover, agravar, incrementar, conservar.
O agente contribui para a formação da vontade criminosa. Determina outrem à prática da prostituição. Colabora no processo de decisão. È um lenocínio principal.
Favorecer ou facilitar…
É auxiliar, apoiar ou ajudar.
O agente não contribui directamente para a formação da vontade criminosa. Limita-se a anuir, a aderir a um estado de espírito já pré-existente. Cobra no processo de execução. È um lenocínio acessório. (ainda Anabela Rodrigues, ibiden, 525)
Não ficou aqui provado que a arguida G soubesse antes do depoimento na PJ que na casa se praticasse prostituição.
Não ficou provado que tivesse facilitado a prática da prostituição na vivenda.
A arguida G no mês antes (Fev 2008) de receber a acusação(Março 2008) contactou advogado para interpor acção de despejo (data do ficheiro 28-02-2008 e data do recibo Fev de 2008) contra a arguida G, e este, recebendo provisão de que emitiu recibo, e tendo-a minutando ainda antes da acusação, ainda não a interpôs, porque achou mais prudente aguardar a sentença neste processo para dela extrair certidão.
Não continua a facilitar portanto a prática da prostituição na vivenda.
A sua intenção de interpor a acção de despejo é genuína.
Profissionalmente…
A actuação deve estar visada para o lucro, aquela intenção refere-se apenas a casos exteriores à mesma. È nestes casos que surge o elemento subjectivo da ilicitude (dolo específico).
O exercício profissional, consubstancia uma comissão reiterada do facto, fonte de maior perigosidade e da direcção volitiva do autor que mostra uma tendência especialmente perigosa para o bem jurídico atingido.
Resumindo:
O problema que se coloca a V. Exa. é averiguar
Se a arguida fomentou, favoreceu ou facilitou de forma profissional ou lucrativa a prática da prostituição na vivenda.
E depois, caso afirmativo, distinguir se a conduta da arguida G fomentou, isto é foi causa dans ( determinou alguém à prática da prostituição) ou apenas favoreceu, facilitou, isto é, foi apenas causa non dans, anuiu aderiu a um estado de espírito já pré-existente.
O grau de culpa do agente e a determinação da medida da pena depende desta averiguação.
Por último, terá de averiguar se o agente teve intenção lucrativa, porque se houver simples rufianismo, apenas o aproveitamento de actividade alheia «sem que previamente o agente tenha desencadeado a situação, não há lenocínio»
Para isso deverá encontrar a resposta para as seguintes questões:
Foi produzida prova que demonstre elevado grau de certeza que a arguida G construiu a vivenda para nela se praticar a prostituição, ou pelo contrário, há a probabilidade de a construção ter sido para lar?
Foi produzida prova que demonstre com elevado grau de certeza que a arguida G tenha recrutado mulheres, entre as quais a arguida B, para ali praticar prostituição? Ou pelo contrário há a probabilidade de que a arguida não ter arregimentado ninguém?
Foi produzida prova que demonstre com elevado grau de certeza que até 1997 a arguida G explorou a casa para prostituição e depois a arrendou para o mesmo fim à arguida G? Ou pelo contrário, pode há a probabilidade de que a arguida G não tenha explorado a casa antes de a ter arrendado à arguida B?
Por tudo o que se vem aduzindo, E com o devido respeito
A defesa entende que não existe certeza quanto à vivenda ter sido construída para prostituição, não haver certeza de que a arguida arregimentou mulheres para a vivenda e de que a arguida tenha explorado a casa para a prostituição antes de a arrendar à arguida Ana Maria.
Porque existe a razoável probabilidade de a construção ter sido de início para um lar, as mulheres referem que foi a arguida B que as convidou e não conhecem a arguida G, não ficar demonstrado por factos ou documentos ou testemunhos que a arguida G tenha explorado a vivenda antes da arrendar ou que o fim da renda fosse para continuar uma actividade de prostituição
E por conseguinte a Arguida G
Não é
a) Proxeneta: isto é, «não é corrector, agente intermediário» ou «profisssional intermediário em amores» , que assim facilita ou favorece o exercício da prostituição.
Nem tão pouco
b) Rufia: isto é, « não vive à custa de mulheres de má nota».
Não
Fomentou…
Isto é, incentivou, estimulou, determinou, promoveu, agravou, incrementou, conservou.
contribuiu para a formação da vontade criminosa de outrem à prática da prostituição.
Favoreceu ou facilitou…
Isto é, auxiliou, apoiou ou ajudou.
contribuiu directamente para a formação da vontade criminosa.
Muito menos profissionalmente…
Porque apenas quis desde início arrendar a vivenda para habitação e nunca lucrar com qualquer actividade de prostituição praticada na vivenda.
Não existindo elemento subjectivo da ilicitude (dolo específico)
Assim sendo, absolvendo V. Exa. a arguida, como a defesa espera,
Far-se-á justiça!